Trajetória de Realidades 

A vida em uma cidade pequena como Maricá, eu pensava, seria fácil ou difícil. Desde muito jovem, o trabalho era uma condição normal que eu conciliava bem com os estudos. Minha meta era clara: cursar uma faculdade e conseguir um bom emprego. Era um pensamento simples, mas eu sabia exatamente o que queria para o meu futuro.

Na adolescência, como acredito que acontece com a maioria, eu era arrogante e muito focado, sem ter ideia de como o mundo dá voltas. Queria cursar artes ou, como segunda opção, arquitetura. Eu acreditava que sabia desenhar e que ser artista era fazer o que eu gostava. Não que eu estivesse errado, mas fazer o que se gosta tem seu preço. Eu estava disposto a ser artista e deveria aprender a história da arte. Em meu espaço, na loja de plantas da minha família, eu deixava meus desenhos e esculturas à mostra. Foi ali, enquanto fazia um trabalho para uma cliente incrível – uma pessoa que ajudei a construir algo, já que minha família tinha sua tranquilidade vendendo plantas e fazendo jardins – que tudo começou a mudar.

O trabalho, para mim, um adolescente sem recursos, não valia nada. Não sei se por pena, mas a cliente me pagou um curso de desenho em troca da encomenda que eu havia feito. Mesmo sem querer pagamento algum pela retratação que ela me encomendara, aceitei. Foi nesse curso de desenho que fiquei sabendo do preparatório de arquitetura. Vi ali uma oportunidade e, então, aceitei o pagamento em forma de um curso de desenho para a prova de arquitetura.

Eu sabia que não conseguiria fazer artes plásticas por estar muito distante da minha realidade. Niterói era diferente; o curso era muito bom, e encontrar outros adolescentes que se consideravam artistas me pareceu muito legal. Sem dúvida, aprendi muito com a professora de artes e com os colegas que fiz por lá. Eu ainda trabalhava para minha sobrevivência, sem nada além de uma pequena mesada ou alguns bicos de jardinagem que não me tomavam os finais de semana. Mas era muito bom saber que o que eu tinha em mente já estava começando a dar algum retorno. Afinal, minha primeira encomenda havia me rendido um bom curso, embora eu tenha aproveitado pouco.

Eu tinha uma vida boa e fácil, sei disso. Por isso, acreditava em um resultado simplório do meu esforço: era só fazer o que eu acreditava ter capacidade e os frutos seriam colhidos. No entanto, perto do final do pré-vestibular e meses antes das provas, meu vaso de tranquilidade se quebrou com a separação dos meus pais. Com a maioridade tão perto, eu teria que seguir meu rumo e sair de casa.

Não quero lamentar como antes. Hoje vejo que seria muito arrogante e que eu nunca teria feito artes plásticas. A arquitetura, sem dúvidas, seria difícil, mesmo eu nunca achando fácil trabalhar e estudar. Eu sempre tive a tranquilidade de chegar na casa dos meus pais. Esse momento, então, foi de abrir-me para a realidade: a casa era deles.

Trabalhando e agora segurando o que sobrou da separação deles, fiquei com a loja. Com a ajuda do meu irmão, mudamos o negócio; tinha que ser algo que agradasse a todos. Logo o tempo passou e eu havia comprado um terreno. Até tentei fazer arte novamente e, há pouco tempo, deixei a loja e tudo o que construí com meu irmão para ele, a fim de facilitar a vida da nova família que ele criou.

Procurei um emprego e, já um pouco mais velho, tive minha primeira carteira assinada. Não trabalhei muito como padeiro, algo que caiu na minha sorte (para não ter que comprar mais pão; já que agora eu faço o meu). Mas aquele não era o lugar que eu queria. Por sorte, tive um bom professor de panificação. Mas ele foi acusado de roubo, uma acusação enganosa para que perdesse seu lugar e um parente do patrão o substituísse. Isso me irritou profundamente e, depois disso, pedi para sair. O padeiro não perdeu nenhum de seus direitos, mas mesmo assim, eu não queria me ver trabalhando lá.

O pouco que trabalhei como estoquista, pintor, mecânico, cozinheiro, padeiro, e até mesmo entregando contas de luz, me deu uma renda e tempo, no fim de cada tarde, para construir no terreno. A casa onde moro agora, com todas as comodidades que eu não imaginava.

Agora que adquiri uma certa experiência, contando com outras pessoas das mais diversas realidades, aprendi a humildade ao conquistar as coisas, ao realizar feitos que são simples necessidades do dia a dia. Posso voltar a estudar e, claro, o pouco que posso contar da minha vida deixa de fora muitas pessoas que me ajudaram, me ensinaram, duvidaram e acreditaram em mim.

Isso pode não ter nada a ver com o tema, mas a ética e a cidadania que aprendi nas relações de vida me fazem saber que todos os dias serão bons e difíceis, nunca ruins. Mesmo não havendo condições iguais para cada história.